Cada vez mais casais formam novas famílias após divórcios ou viuvez, e não é raro ver filhos de diferentes uniões convivendo sob o mesmo teto. Nesse cenário, nasce uma pergunta importante: ao chegar a hora de transmitir o patrimônio, como garantir que cada filho e seu novo cônjuge sejam respeitados sem brigas? Muitos casais enfrentam essa dúvida. Afinal, no Brasil quase metade dos divórcios ocorre em menos de dez anos de casamento, o que multiplica os casos de famílias “recompostas”.
Sem um planejamento consciente, a sucessão segue regras rígidas e pode acabar deixando alguém chateado. Você pode ter adquirido bens ao longo da vida de maneiras distintas – antes do novo casamento, durante a união ou mesmo recebido heranças – e cada parte da história deve ser considerada na divisão.
A lei prevê que o cônjuge sobrevivente concorra com os filhos de todas as uniões, independentemente de quando os bens foram adquiridos. Isso significa que, sem um testamento ou acordo, seu atual companheiro(a) e os filhos do seu primeiro casamento terão direito à herança na mesma proporção.
Muitas vezes, isso dá a sensação de injustiça: talvez você queira garantir um pedaço a mais para seus filhos ou distribuir de maneira específica para cada um. Sem orientação, essas regras podem causar dor de cabeça e até desentendimentos entre a família. É comum aparecerem dúvidas como “meu novo cônjuge vai herdar parte dos bens?”, “e meus filhos do primeiro casamento, como ficam?” – questões que têm solução, mas precisam de planejamento para evitar mal-entendidos.
Cônjuge é herdeiro sim: entenda o que a lei diz
Um dos principais mitos no planejamento de famílias recompostas é acreditar que, por ter casado com separação total de bens, o novo cônjuge não será herdeiro. Não é bem assim. A separação de bens só afasta o direito à meação (ou seja, à metade dos bens adquiridos na constância da união), mas o cônjuge continua sendo herdeiro necessário. Ele tem direito à chamada “legítima” – que corresponde a 50% do patrimônio – junto com os filhos.
Isso significa que, se não houver testamento ou planejamento específico, o novo companheiro herdará junto com os filhos do primeiro casamento. Isso pode ser visto como desequilíbrio, tanto pelos filhos quanto pelo novo cônjuge. Por isso, planejar é essencial. E essa é a primeira informação que precisa estar clara para quem está recomeçando uma família: o cônjuge está na linha de sucessão.
Testamento: clareza para evitar brigas
O testamento é uma das ferramentas mais simples para quem deseja garantir uma divisão justa, respeitando a nova realidade familiar. Ele permite que até 50% do patrimônio seja distribuído como o titular quiser – a chamada “parte disponível”. Com isso, é possível proteger filhos de uniões anteriores, garantir estabilidade ao novo cônjuge ou até reconhecer um enteado que foi criado como filho.
Além disso, o testamento evita que decisões fiquem nas mãos da Justiça, o que costuma gerar desgaste emocional e, muitas vezes, disputas prolongadas. Ele pode ser modificado a qualquer tempo e funciona como uma carta de intenções clara sobre o que aquela pessoa queria, o que ajuda a manter a harmonia entre os herdeiros.
Doações em vida com cláusulas de proteção
Outra estratégia eficiente é a doação em vida com cláusulas restritivas. É possível doar imóveis ou cotas de empresas para filhos (de qualquer união), protegendo esse patrimônio com cláusulas como inalienabilidade (não pode ser vendido), impenhorabilidade (não pode ser usado para pagar dívidas), incomunicabilidade (não entra na partilha em caso de divórcio) e reversão (volta ao doador se o filho falecer antes).
Essas doações podem ser feitas com reserva de usufruto – o que garante que os pais continuem usando o bem enquanto viverem – ou através da constituição de uma holding familiar, que permite ainda mais controle sobre a administração e sucessão dos bens.
Colocar bens em nome dos filhos menores pode ser uma armadilha
Muitos pais acreditam que colocar bens diretamente no nome dos filhos menores é uma forma eficiente de protegê-los e evitar problemas futuros. Mas essa estratégia pode se tornar uma grande dor de cabeça. Isso porque, sempre que se deseja vender um bem em nome de um menor de idade, é necessário pedir autorização judicial, o que torna o processo mais demorado, burocrático e incerto.
Além disso, o juiz da Vara da Infância e Juventude nem sempre autoriza a venda, mesmo que seja de interesse da família. E se o fizer, geralmente condiciona a aplicação do valor em investimentos conservadores, sob fiscalização do Ministério Público. Isso engessa a liberdade da família de lidar com o patrimônio conforme suas necessidades. Portanto, é preciso cuidado e orientação profissional para não criar um entrave jurídico que impeça decisões futuras importantes.
Holding familiar: controle e organização
A holding é especialmente útil em famílias recompostas porque permite que os bens fiquem concentrados em uma empresa, com regras pré-estabelecidas para sua gestão e partilha. Os pais podem decidir desde já quem serão os sócios, como será a distribuição de lucros, quem terá poder de voto, e até como será feita a sucessão caso um deles falte.
Na prática, isso significa que a empresa passa a ser o “cofre da família”, com regras claras que evitam conflitos. Por exemplo, pode-se estipular que os filhos herdarão apenas as cotas da holding, e que o novo cônjuge terá direito a rendimentos mensais fixos, sem interferência na gestão. Ou ainda, que os imóveis permanecerão na holding e serão apenas usados pelos herdeiros, mas nunca vendidos. Tudo isso é legal, desde que bem estruturado e formalizado com apoio técnico.
Evite surpresas desagradáveis: comece a planejar hoje
Famílias recompostas são comuns, mas seus desafios patrimoniais também. O amor pode unir, mas é o planejamento que garante que essa união sobreviva às turbulências que surgem com o tempo e, inevitavelmente, com a sucessão. Não espere o pior acontecer para descobrir que a lei pode não proteger da forma como você imaginava. A herança não é só sobre bens – é também sobre justiça, harmonia e respeito entre quem você ama.
Se você já vive uma nova união e tem filhos de relacionamentos anteriores, comece agora. O melhor planejamento é aquele feito em vida, com consciência, transparência e carinho.
Quer proteger todos que você ama e evitar brigas entre filhos e cônjuge? Agende uma conversa e construa hoje um legado de paz para o futuro da sua família.
Abraços,
Patricia D’addea